terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Grande .

Não aguardo a velhice de muito bom grado.
Mas a deixarei vir para que ilumine a cor
dos meus cabelos num branco-alvo de nuvem.
Assim como não pedi o tempo,
nem infância nem nascimento,
não peço a velhice.
Apenas deixo.
Deixo o dia ir e vir. O sol nasce e se põe.
E assisto todo o espetáculo dos céus.
Sem tantos ápices, sem inquietações.
Assim serei? Não, acho que não sei.
Enfim, até lá... viverei.

sábado, 3 de dezembro de 2011

Lírico .

Como quem morre de hipotermia em um mar gelado a meia-noite, teu carinho está a falecer mergulhado entre as espumas ensanguentadas que embalam, veementes, o pulsar do meu coração. E cada segundo que passa, é uma lembrança esquecida e um açoite em meu romantismo piegas. Deixarei teu beijo ser sucumbido por minha natureza, da mesma maneira que seus desejos sucumbiram o que me restava de ingênuo.
Lanço-te no mar do meu esquecimento. Adeus...

domingo, 27 de novembro de 2011

Diálogo Bobo - Mário Quintana

- Abandonou-te?
- Pior ainda: esqueceu-me...

Preciosidade .


O cristal tornou a ametista descartável, enquanto ela esculpia sua transparência. Tornou-a tão descartável quanto a virgindade de uma bela moça na prostituição e tão enganável quanto uma boba criança com doces na mão.
Por ter sido dispensada, a ametista passou horas com fortes dores no peito, tentando esquecer os motivos de alimentar o desejo que faz as pedras mais lindas quererem brilhar. Hoje, a ametista não quis ser polida e permaneceu num canto, escondida de qualquer calor solar.
O cristal permaneceu brilhante, precioso e querido, rodeado de outras pedras que o têm como amigo e distante das agonias de um coração inibido. Talvez a pedra-amante do Cristal não tenha uma mente tão perturbada quanto a mente da ametista... que passa muito mais tempo analisando a morte do que alimentando a vida.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Fantasia - Álvares de Azevedo

À noite sonhei contigo...
E o sonho cruel maldigo
Que me deu tanta ventura.
Uma estrelinha que vaga
Em céu de inverno e se apaga
Faz a noite mais escura!

Eu sonhava que sentia
Tua voz que estremecia
Nos meus beijos se afogar!
Que teu rosto descorava
E teu seio palpitava
E eu te via a desmaiar!

Que eu te beijava tremendo,
Que teu rosto enfebrecendo
Desmaiava a palidez!
Tanto amor tua alma enchia
E tanto fogo morria
Dos olhos na languidez!

E depois... dos meus abraços,
Tu caíste, abrindo os braços,
Gélida, dos lábios meus...
Tu parecias dormir,
Mas debalde eu quis ouvir
O alento dos seios teus...

E uma voz, uma harmonia
No teu lábio que dormia
Desconhecida acordou,
Falava em tanta ventura,
Tantas notas de ternura
No meu peito derramou!

O soído harmonioso
Falava em noites de gozo
Como nunca eu as senti.
Tinha músicas suaves,
Como no canto das aves,
De manhã eu nunca ouvi!

Parecia que no peito
Nesse quebranto desfeito
Se esvaía o coração...
Que meu olhar se apagava,
Que minhas veias paravam
E eu morria de paixão...

E depois... num santuário
Junto do altar solitário
Perto de ti me senti,
Dormias junto de mim...
E um anjo nos disse assim:
"Pobres amantes, dormi!"

Tu eras inda mais bela...
O teu leito de donzela
Era coberto de flores...
Tua fronte empalecida,
Frouxa a pálpebra descida,
Meu Deus! que frio palor!...

Dei-te um beijo... despertaste,
Teus cabelos afastaste,
Fitando os olhos em mim...
Que doce olhar de ternura!
Eu só queria a ventura
De um olhar suave assim!

Eu dei-te um beijo, sorrindo
Tremeste os lábios abrindo,
Repousaste ao peito meu...
E senti nuvens cheirosas,
Ouvi liras suspirarem,
Rompeu-se a névoa... era o céu!

Caía chuva de flores
E luminosos vapores
Davam azulada luz...
E eu acordei... que delírio!
Eu sonho findo o martírio
E acordo pregado à cruz!

Niilismo .

A crença no nada é perturbadora
A sina que cala de arrebatadora
Do revolver a bala que apenas mata
O laço no espaço que a fé não desata
O fogo que queima e nunca se apaga...

Íntimo .


Infelizmente não há coragem
para pedir abraços singelos
Trago sempre a bagagem
de meus infantis complexos
Infelizmente não sou adepta
do amor e do otimismo
Cessaram-se todas as festas
nos bailes do meu espírito...

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Inconsciente .


Ninguém vai compreender
o involuntário padecer
dos anjos já caídos
Assim como desdenhariam
de medos que idéias criam
nos corações desiludidos...

sábado, 8 de outubro de 2011

Falsos sorrisos .

Na arquibancada me vejo
em êxtase, euforia
E entre sorrisos festejo
o ápice da alegria

Assisto a performance
d'um palhaço triste
que, em súbito relance
revela a dor que existe
no seu peito cicatrizado
no coração desgarrado
que em risos insiste

Sorria palhaço
e faça-me rir
de tua desgraça
Deixe-me fingir
que acho graça
de tua aspereza

É a tua tristeza
tão inexata
que me apetece
Teu fingimento
Torpe incêndio
que me aquece

Porque parou de rir, palhaço?
Ouvistes meu pensamento?
Porque emprega lentos passos?
E tão rápidos perpassos
para perto de mim?
O que houve, palhaço?
Porque sorri assim?

O que tiras da cartola
seria um punhal?
A lâmina que amolas
é objeto banal?

Me enganei e que engano!
Quão tamanho foi o dano
da minha ingenuidade
Cri no sorriso mentiroso
de um palhaço louco
em total infelicidade

Foi naquele dia sombrio
que os meus olhos vazios
perderam toda a vaidade
Senti a punhalada frígida
da mentira recaída
com ar de verdade

Senti a ilustre exatidão
do mal que um coração
pode, talvez, propor
E é nesta atmosfera circente
que o meu vão inconsciente
irá se recompor...

Rastejo .


Assassina das emoções
que não são suas
Pioneira dos grilhões
presos à Lua
Serpente abençoada
pelos pecados
Porém deserdada
pelos honrados
Rasteja fugindo
da depressão
Seu veneno expelindo
nos ares do vão
Se sente perversa
e deveras suja
por ser a mestra
das damas impuras
Senhora do medo
Amante de Eva
Narradora dos enredos
entre os céus e as trevas...

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Saudades .

Imagino-te longiquo e alucinado
Inodoro em meio a cocaína
Estranhamente visualizado
por todo vício que te domina

De longe, também reparo
na tua lira impensada
E no meu íntimo, declaro
o quanto estou cansada
de tentar te socorrer
Contudo sei que é clara
a abertura da tua chaga
e o germinar de teu falecer

Da esperança me despeço
e de você me distancio
Ficarei a sós com os versos
e com essa saudade vil
que teima em me perseguir
Pois a inocencia do céu anil
jamais destruirá o vazio
que tu deixastes ao sair...

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Homem Moderno .

Homem lento e primitivo
Ser inibido porém sexual
Instintivamente promíscuo
Teorema masculino atual
Alegre ao se satisfazer
nos rituais cotidianos
Simplório maquinário de prazer
que se destrói por entre os anos

Desgraçado! Mas ditoso
em poluções noturnas
Cadáver feito de gozo
Morto pela visão turva
que obteve da vida
Defunto que respira
os ares da despedida
das carícias finitas

Homem faminto de suor
de beijos, de paixões
Dos animais é o pior
por rejeitar sermões
Tão errante e incorreto
Nem obtuso nem reto
É somente um ângulo esperto
Um emaranhado de cordões...

Faces da Vulgaridade .

Mulher fácil e obsoleta
Tanto covarde quando boba
Das frutas a mais peca
Dos sanatórios a mais louca
Mulher de inútil querer
Da mais leve depressão
Que nunca soube viver
Nunca soube dizer não

Enquanto erra - chorosa
em poesia e em prosa
Torna-se verme e devora
sua alma desgostosa
por mágoas manchada
pela seca esturricada
que lágrima não molha

Mulher que se entrega
com consciência triste
Mulher que não releva
a desilusão que existe
dentro do seu peito...

Mulher, por quê não pensas
no que terás de recompensa
ao se desnudar no leito?

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Incubus .


Virás essa noite, Incubus,
para profanar meu leito?
Preencherás os sulcos
dos meus quentes seios?
Tornará esdrúxulo
o desejo alheio
para invocar esta alma
que de tão desalmada
afugenta os gorjeios?

Incompreendo a física
do magnetismo que usas
Porém dispenso - ilícita
a tísica recusa
dos teus atos
Antes disso, eu abraço
a dor do desembaraço
que tu me propões
Quando se rompem
todos os padrões
do próprio cansaço
E a drenagem das ilusões
me entrega ao orgasmo...

sábado, 10 de setembro de 2011

Crise .

Caráter disforme, quebradiço
que se destrói e recompõe
Humano poder escorregadio
Triângulo isósceles, confusões

Na ira malograda
objetos eu quebro
Loucura revelada
num pane interno
Demônios me possuem
Sou o próprio inferno

Críticas me fogem
O suor escorre
Perco a covardia
Torno a alma fria
uma nova aliada
Grande companheira
de minhas madrugadas...

Vida ao acaso .

O que trago não é desespero
nem a lamúria, nem o breu
Só retrato talvez, os lampejos
dos ocultos segredos de Deus

Trago o legítimo eclipse
da lua sem beleza
Trago a face da criança
que sofreu a tristeza
de saber que um dia
deixaria de existir
Que chorou a agonia
de não querer partir

Não desejo que entenda
ou releve meu escrever
Só peço: Retire as vendas
que escravizam o teu ser
Que não te deixam enxergar
a verdade imutável
e a realidade crucial:
Nem a realeza das flores,
nem tua felicidade...
Nada é imortal!

Des (Arcadismo)

Racionalidade casual
Raiz dos ultrajes
Carpe Diem ideal
Desumanos árcades

Tentar ser razoável:
Cume da passionalidade
Perfeição inalcançável
Crime sem intencionalidade

Negar a crueldade humana
é um corrosivo ácido
Idéia ignóbil, profana
Uma desgraça, um pecado

Um pecado contra a castidade
da real insensatez da vida
Uma flecha contra a verdade
da ira que pode ser sentida
do amor que foi repudiado
das resistências reprimidas

O lirismo bondoso
não me atrai
Me soa tolo, insosso
Poesia ineficaz

Prefiro a loucura
do alarme falso
Dispenso a cura
do estardalhaço
Vivo limpa e pura
na imprecisa mistura
do descompasso...

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

O Vencedor - Augusto dos Anjos

Toma as espadas rútilas, guerreiro,
E à rutilância das espadas, toma
A adaga de aço, o gládio de aço, e doma
Meu coração — estranho carniceiro!

Não podes?! Chama então presto o primeiro
E o mais possante gladiador de Roma.
E qual mais pronto, e qual mais presto assoma,
Nenhum pôde domar o prisioneiro.

Meu coração triunfava nas arenas.
Veio depois um domador de hienas
E outro mais, e, por fim, veio um atleta,

Vieram todos, por fim; ao todo, uns cem...
E não pôde domá-lo enfim ninguém,
Que ninguém doma um coração de poeta!

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Metalinguagem .

O homem disserta a perdição
sendo ele, por si só, já perdido
Pobre, incerto, enlouquecido
Coberto de cinzas, blasfemo
Simples, composto e primitivo
como a atmosfera de Vênus...

Rotina .

Ensandecida pelos ataques
ora mentais, ora epiléticos
Famigerada pela moral
dos cínicos e patéticos
Disfarço pegadas e portanto,
perco os passos dos céus!
Sem ironias, sem enganos
distante dos puros véus...

Já não busco nenhum sentido
para as tantas crises minhas
Apenas atento meus ouvidos
para a música dessas linhas
para o sentimento indefinido
que por aqui se esquadrinha...

Lascívia tentação .

Teus cabelos macios
Ondulados e belos
Teu olhar tão vil
Chama do inferno

Encantas toda a forma
dessa psiqué disforme
Insistes na proposta
do sexo que envolve
a inocência e o pecado
num ritmo desenfreado
que não pára ou dorme

Deusa pagã, tu me amas
ou me serve por ofício?
Com sorrisos a mim engana
ou sou eu também teu vício?

Solitária eu estou; te desejo
mas contra mim tu relutas
Despedaçada, te peço um beijo
minha doce amada, prostituta...

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Acaso .


O abismo é a condição do homem
tão miserável e desprezível
O abismo é o abstrato que come
todo sentimento concebível

Não creia que a tudo reconhece
exceto quando estiver sonhando
Não és nem a ponta do iceberg
nem uma gota de algum oceano

Não se engane pela magnitude
do charme de teus cabelos
Não veja o correr da vida
como a libertadora dos anseios

Não me atire sorrisos como escudos
nem lance olhares de forma sínica
Porque mediante meus estudos
Tu não passas d'uma mescla química

[...]

Somos a síntese dos elementos
Somos parte da Cosmografia
Somos intransigentes e lentos
como a percepção da psicopatia...

Intransitoriedade .

Achar no outro um motivo?
Que pensas que somos?
Parasitas extrovertidos
necessitados de sonhos?

Precisaria eu, então
abandonar a solidão
E viver aprisionada
nos imensos desertos de nada
na vida de algum meio irmão?

Sobreviver me desesperando
pelos cantos, à espera
De quem vem carregando
as rosas da primavera?
Meus cabelos arrancando
pela efemeridade da matéria?

domingo, 29 de maio de 2011

Resposta ilícita .

Se tua maior alegria é ver o sol
e soprar aos ventos a tua paz
Contento-me com a lua. E só.
Nem c'as estrelas me importo mais

Invejo teus olhos que contemplam os céus
ao simples abrir de janelas
Pois a janela que tenho é coberta de véus
e não enxergo nada por detrás dela

Ouço, então, a melodia monótona
das vozes que invadem as linhas
Amparo orquestas monocórdicas
das insolentes memórias minhas

[...]

Quando passáros cantarem, e tu os ouvir
não ria desta notável amargura
Onde estão motivos para sorrir
se o nosso fim é a sepultura?
Porque alimentar-nos do existir?
Para resfriar-nos na cova dura?

sábado, 28 de maio de 2011

Consequência .

Fui os sonhos que fizeram-me alegre.
Fui as lágrimas que tornaram-me triste.
Sou o monstro que me espanta e
além de mim, nenhum outro existe.


Aqui jaz um espectro de pouca luz,
que vaga solitário e aflito sob terras assoladas,
assim como vaga Uriel, o anjo da morte,
no corações dos homens.

sábado, 16 de abril de 2011

I-mundo .


Meus sentimentos estáveis
decifram, mui fervorosos
os enigmas voluptuosos
dos desafios mais inefáveis

Descobrem as incógnitas
de olhares perversos
Revelam os hipócritas
de corações ineptos
que crêem enganar-me...
De tolos que são!
Mal sabem que o ultraje
é a minha consolação!

Carrego o puro escárnio
dos nascidos do lodo
Desd'a flor de meus lábios
até os frutos dos galhos
róidos por corvos...

Naufrágio de utopias .

Sob carneiras cemiteriais
percorrem minhas pupilas
Dilatadas, tão vivas
Sem mistério - abatidas

Lágrimas afundam
na taça de vinho
Gracejos evaporam
em tragos, delfinhos

Eis explícita e visível
outra faceta da sorte
Eis o sorriso imbatível
que surge, insensível
na face da morte...

sábado, 2 de abril de 2011

Restaram .

Se apodera de ti a casual doença
A profunda validez da descrença
Transcede-se nebulosa fumaça
e cinzas exalam o odor da desgraça

Desfalecem teus sonhos infantis
de menino amarelo e anêmico
Desaparece o semblante feliz
que jamais antes fora tão cênico

Restaram apenas os olhos febris
d'um estranho homem que nada diz,
d'um triste rapaz, esquisofrênico...

domingo, 27 de março de 2011

O Morcego .

Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.

"Vou mandar levantar outra parede..."
- Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre minha rede!

Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!

A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!

{Augusto dos Anjos}

sábado, 19 de março de 2011

Celebração .


Vamos sorrir e brindar à vida em bailes de máscaras.
Vamos fingir e esconder todas as nossas lástimas.
Vamos guerrear pelas verdades que nem nós mesmos vivemos.
Vamos dizer e dizer e dizer tudo sobre aquilo que não conhecemos.

Vamos mostrar as nossas forças e esconder o que somos.
Vamos esquecer a realidade e viver somente em sonhos.
Vamos deixar a bondade e viver como víboras.
Vamos nos alimentar de nossas próprias mentiras.

Vamos errar e continuar errando, os caminhos que dizemos seguir.
Vamos nos auto-enganar e não preservar o que nos faz sorrir.
Vamos exterminar o amor, e espalhar o nosso drama.
Vamos manipular a mente alheia e celebrar à raça humana.

Seres hipócritas e facínoras
Imensos purgatórios vivos...
Pessoas covardes, assassinas
Conto de terror aprazível...

sexta-feira, 18 de março de 2011

Acidente .

A deriva do vento impestuoso
se desdobram as folhas secas,
silenciosas, nas valas, pecas
sob a luz do luar nebuloso

Submergida em neurastenia
Humilhada pelos contrastes
entre os atônitos e os trastes
Desfaleço em melancolia

Recorro às sinteses genéticas
para o paradoxo em questão
Pois nem a moral, ou a ética,
poderiam apagar a impressão
que a minha mente funesta
carrega de quaisquer ilusão

Se vejo que a tristeza não releva
nem os infantes, nem os loucos
nem presos, tampouco os soltos
quem seria eu, por entre as eras?

A não ser só mais uma peça
d'um jogo que às avessas
foi criado pelo Universo?

Quem seria senão mais um pedaço
de poeira cósmica no espaço
que desfaz-se entre versos?

quarta-feira, 9 de março de 2011

Além da vida .

Saydion compartilhou de um intenso amor com Eleonor durante poucos meses.
O romance, sempre repleto de limitações, não deixou de ser, em nenhum momento, encantador e ingênuo.
Surgiu, porém, um mal arrebatador que contaminou o frágil corpo da jovem Eleonor, levando-a a passar dias e noites, enferma, em seu leito já quente, pela sua constante presença.
Saydion, sem mais suportar as saudades que lhe rasgaram o peito durante horas que mais pareciam-lhe a eternidade, adentrou ao quarto da jovem donzela, sorrateiramente, pela janela, para que a parentela da moça não fizesse questão de intrometer-se em sua conversa com a moça amada, e, estando próximo à princesa que dominava seus mais belos sonhos, disse, em baixa voz:
- Deusa minha, a ti recorro como se não houvesse mais ninguém neste mundo, pois diante da tua formosura e do teu cândido olhar, todo o universo paraliza-se diante de minha face, e só consigo observar a ti, aos teus cabelos negros que bailam em sintonia com o som das folhas balançadas pelo vento...
Eleonor, com os olhos semiabertos e voz esganiçada, respondeu:
- Eis que já vejo a morte rodear minha cama, e temo que este, seja o último momento em que estaremos juntos. Meus olhos já se fecham, meu coração parece estar emitindo seus derradeiros batimentos. Sinto medo. Meu último desejo é ter em meus quentes lábios, a vivacidade dos teus... Beije-me Saydion. Não diga mais nem uma só palavra. Apenas beije-me...
Então, Saydion aproximou-se de Eleonor, rapidamente, para não perder mais nenhum segundo ao lado dela, da forma mais arrebatadora possível. Encostou seu rosto no da amada, e a beijou carinhosa e veementemente, como jamais havia feito em instante algum da sua vida. Após a concretização do último desejo de Eleonor, o rapaz afastou seus lábios trêmulos dos da moça e assustou-se ao ver os olhos dela, espantosamente abertos, petrificados, a fitá-lo. Num constante pavor, tocou as mãos da donzela e as teve como gélidas, paralizadas, inválidas.
Eleonor estava morta.
Desesperado, Saydion foge pela janela de onde entrou, e retorna à sua casa.
Chegando em seu quarto, não dorme, apenas permanece deitado, imóvel, tendo em mente o opaco visto nos olhos da sua princesa, da dona dos seus mais verdadeiros sorrisos.
No dia seguinte, acompanhou o enterro da que seria sua futura esposa. Enquanto todos gritavam, choravam e lamentavam da maneira mais estrondosa possível, ele nada dizia. O pobre moço seguia triste, porém, frio, sem derramar uma lágrima sequer, suportando toda a dor, calado. No término da fúnebre cerimônia, todos foram embora, e o rapaz também foi.
Em seus aposentos, Saydion, não conseguindo tirar do pensamento, a beleza e a graciosidade de Eleonor, teve então, a idéia de ir até onde se encontrava o túmulo dela, com a finalidade de tentar sentir o seu perfume, mesmo que escasso, no ar, mais uma vez. Assim, seguiu caminho ao tal lugar, sendo de repente abordado por uma furiosa tempestade, estando próximo aos portões do cemitério, todavia, isso não o impediu de alcançar seu objetivo.
Ao chegar no túmulo da amada, o jovem sentiu-se finalmente em paz, mas também sentiu uma insana e incontrolável vontade de beijar os gelados lábios de Eleonor, novamente.
Ouvindo seus instintos, foi à procura de algumas ferramentas, e, conseguindo-as, retornou ao leito frio, daquela que possuía sua mente, sem hesitar.
Com muito sacrifício, Saydion desterrou o caixão, onde adormecia Eleonor e o abriu. Vendo aquele rosto pálido, sentiu algo queimando seu corpo e seu coração. Não pensou duas vezes; tomou a morta sob seus ombros e a levou para sua casa.
Já em casa, despiu a falecida virgem, que tinha a água da chuva , grudada em sua pele, levou-a ao banheiro e deu-lhe um banho. Após isso, ele também se banhou.
Depois de banhar-se, Saydion repousou o corpo da amada sob sua cama, e somente ali, pôde observar claramente, pela primeira vez, a nudez da mulher, a quem havia entregado seu coração. Os cabelos negros dela, enormes, cobriam os pequenos seios; e, sua cintura fina se contrastava com as coxas roliças...
Saydion estava perplexo diante de tamanha beleza. Aproximou-se de Eleonor, e beijou sua boca, vagarosamente.
Então, da maneira mais brusca e súbita possivel, olhou para os lados e percebeu o quão pavoroso era o que está fazendo. Fixando seu olhar no olhar da mulher a quem beijara, disse:
- Há muito tempo eu já havia entregue a ti o meu coração, e hoje entregarei a minha alma, como a maior prova de amor que posso dar-te. Creio que nem a dor, nem a desilusão, e muito menos a morte, poderão arrancar a grandeza do que sinto por você. Eu te amo, minha Deusa...
Saydion cobriu o corpo da moça com um lençol branco; deitou-se na cama ao lado dela, pegou o punhal que se abrigava sob a escrivaninha e o cravou em seu peito.
[...]
Em pouco tempo, foi percebida a ausência de Eleonor, no sepulcro onde a deixaram. Aterrorizados, os homens da família da moça foram à casa de Saydion, para perguntar-lhe se ele sabia onde a moça poderia estar. Chegando ao referido local, foi preciso que quebrassem os ferrolhos do portão para adentrar à casa do rapaz, já que ninguém respondia às vozes que se elevavam diante do portão.
Dentro da casa, reinava um silêncio amedrontador.
Dentro do banheiro, pequenas gotas d'água caíam de um chuveiro semiaberto.
Dentro do quarto, haviam dois corpos em decomposição, e um punhal com vestígios de sangue.

Amor após a morte...

sábado, 5 de março de 2011

... Apenas ...

Só você conheceu a mulher corajosa que admitiu todos os medos, todas as neuroses, todas as inseguranças, toda a parte feia e real que todo mundo quer esconder.
Ninguém nunca me viu tão nua e transparente como você, ninguém nunca soube do meu medo de não ser boa o suficiente.
Só você viu meu corpo de verdade, minha alma de verdade, meu prazer de verdade,meu choro embaixo da coberta com medo de não ser bonita e inteligente. Só para você eu me desmontei inteira porque confiei que você me amaria mesmo eu sendo desfigurada, intensa e verdadeira, como um quadro do Picasso.

{ Tati Bernardi }

Fostes útil .

Jamais imaginei que tu podias sorrir
ou que ao menos, sofreria
por não ser o que gostaria de ser,
por não ter nenhuma companhia

Apenas cria que perfeito eras
e que contigo, poderia eu, deveras...
entrar em harmonia... Oh! Quem diria?

Descobertas foram as tuas mentiras, teus agravos
Para mim fostes tristeza e espasmo
Fui uma escrava, e o Amor, meu carrasco

Mas o mundo dá muitas voltas
e as minhas poesias tortas
que podem fazer-te rir,
são hoje as minhas drogas
Não mais você, e elas sim
dão a mim, razão de existir

Não preciso mais da cor do teu olho,
do teu engano ou de palavras em vão
Já foi muito útil, sendo o corvo
que destruiu todo o adorno
que embelezava meu coração...

Iluminação .

Eclodem os trovões
dissipando minhas vísceras
Disparam os clarões
iluminando as malícias
que, em meio a borrões
abandonam as procissões
e adentram às delícias.
Exorcizam as indecisões
e logo após as missas,
percebem que as missões
existiam por falta de milícias.

Dessa forma, o tal clarão
retratou o sacristão
abusando das noviças.

Viva à hipocrisia,
ao berço da utopia:
- Nós mesmos...

Ela .

Em algum momento ela chegará
Onde estarei no tal instante?
Sinto-a aqui rondando o ar
Retirando minha força - incessante

Silenciosamente, ela vem vindo
e traz consigo o medo do perigo
Grande pavor estou sentindo
O que acontece comigo?

Incapacidade, invalidez
Nervosismo, taquicardia
Me dominou outra vez:
Maldita fobia...

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Verdade ideológica .

Azulejos preenchendo o coração
Livros contando a história
Mentes resolvendo a questão
do futuro d'uma gente simplória

Doentes, insanos, anêmicos
estão os servos do conhecimento
Estão loucos e esquisofrênicos
os que de certezas são isentos

Por querer saber, sabe-se nada
Por querer ajuntar, perde-se tudo
No infindo aprender, surge a jornada
onde as palavras são o escudo

Quanto mais nós vivemos
e tentamos ser bons ou sãos,
mais nós aprendemos
que não importa nem se morremos,
se somos crentes... ou pagãos...

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Extremo desejo .

O teu perfume me embriaga
e me excitam teus lábios trêmulos
Sinto-me como numa barca
sem ter poder sob nenhum dos remos...

Sem razões .

É facil fingir o que não se sente, quando o que se sente, verdadeiramente, por todos é desconhecido.
Dificil é, tirar da mente, o segredo que, constantemente, arranca gritos desse orgulhoso egoísmo.
E como sempre, tento esquecer e não deixar transparecer essa prisão invisivel, mas o pior de tudo é reconhecer, que vencer esse "querer" é praticamente impossivel.
Diante de mim, diante da lua, de Deus, dos anjos, e dos demônios... Neste momento me questiono:
- Porque o olhar, que para tantos, é demasiadamente medonho, para mim representa a luz, que toma os olhos após um sonho?
A resposta de mim foge,
e a lágrima que aqui corre
molha levemente a minha boca.
E a revolta que te recobre,
não expulsa o sentimento nobre
que está me deixando louca...

sábado, 19 de fevereiro de 2011

HA HA HA

Quando as pessoas se deixam condicionar pela fé e pelo amor,
se torna bem mais fácil destrui-las.

Sem combates .

Seriedade - sem farsas. Tua maior verdade - Seriedade.
Tua mais exposta dor, segundo tantas falhas. Nossas falhas.
Tão convincente essa imobilidade. Seriedade.
Nas profundezas da tua alma estão as perseguições infernais.
Entregue à Satanás.
Nele, estás tu? Ou tu, nele estás?
Desgraçada sintonia.
De cá, sinto essa tal melancolia.
Desgraçada sintonia.
Em trevas tornou-se tua mente sã.
E isso mudará ao alvorecer da manhã?
Deixe-me responder esta questão:
- Não!

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Lágrimas da fertilidade .

Chora, que daqui eu te vejo
Te vejo e mesmo assim inda sorrio
Teu choro soa como um lampejo
clareando flores à margem do meu rio...

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Fatalidade .

Essa noite o mágico
esqueceu a cartola,
deixou a magia
largou o circo,
e foi embora.

E na mala, sua vida triste será guardada,
como se guarda uma imagem,
que poucas vezes é contemplada.

O mágico não voltará mais.

Faces quietas .

Nos olhos fundos está o elo
entre o feio e o belo.
No esguio do corpo
o refluxo perdido.

Foi-se toda a dor...

Cansados de tudo,
somos diferentes do mundo.
Somos o oposto do amor.
Somos o espinhoso rumo
do homem pecador.

Foi-se toda a dor...

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

...

Mas se este mundo está sempre em mutação,
no qual vivemos...
Faz você se render e chorar
Diga: "Viva e deixa morrer"...

Live and Let Die - Guns N' Roses

domingo, 6 de fevereiro de 2011

...

Não vou tomar nenhuma atitude drástica, a não ser continuar.
Tem coisa mais auto-destrutiva do que insistir, sem fé nenhuma?

Os sobreviventes - Caio Fernando Abreu

Acordada .

Estou na casa de um amigo.
Ele dorme. Poderia estar sonhando? Tendo um pesadelo?
Lá se foi toda a noite e aqui estou eu às 5 da manhã, com olhos abertos, atenta aos movimentos que o ventilador causa nos objetos inanimados que me cercam.
Sinceramente, o sono me escapou nessa noite que se passou... As horas se foram de forma tão brusca que nem as senti passar...
E daí cheguei a conclusão de que realmente é assim a nossa tragetória aqui, na Terra. Rápida.
As coisas vão passando e se transformando a cada pôr do sol, a cada vislumbre da lua.

...É tudo tão rápido...

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Desabafo .

As vezes eu te odeio e te rasgo no meio dentro de mim, mas dói tanto saber que um dia posso não ter tua presença aqui, que canso de tentar tirar essa novela de cena, antes mesmo de alguém descobrir que consigo atuar mesmo longe das câmeras...
Seria perda de tempo? No futuro, aqueles dias ensolarados seriam levados junto com o vento?
O pior é admitir que insisto em não querer parar pra refletir sobre meu querer individual. Persisto em contrariar impulsos com todas as minhas forças.
É uma pena, mas ser cativante a todo momento não é virtude de todas as moças.
Mas eu ainda vou continuar pondo vírgulas nesse conto romântico. Vou continuar manobrando meus pensamentos, tentando equilibrar os meus conceitos tortuosos com os divinos e poderosos.
Até porque, Deus sabe o que é melhor pra mim...

Aqui .

Aqui está o corpo ressurreto
que da penumbra vem se erguendo
Com seus pés saídos do deserto
com a boca seca, sedenta de lamento

O corpo que se levantou mediante à sussuros
Que apresentou-se novamente ao oculto
Que quebrou com fracas mãos um resistente muro
Que aquietou seu espirito depois de desvairado surto

Aqui está o corpo inteiro
Exímio, sem delirios, com bom tom, com bom cheiro
Aqui está o corpo inteiro
Livre daqueles comprimidos, que agora entopem um bueiro
Aqui está o corpo inteiro
Distante da carta de suicídio que foi queimada num cinzeiro

O corpo que num túmulo poderia estar,
hoje carrega em si o dom e o pleno desejo de respirar
poderia estar debaixo d'um simples "Aqui jaz"
carrega agora no peito, a intensidade da paz...

Ainda há muito para ouvir.
Ainda há muito para sentir.
Ainda há um Deus para crer.
Ainda há vida para viver.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

E assim retorno à lucidez .


Nem se passou uma semana que tomei essa louca decisão de parar de escrever e já estou tão carregada de palavras que elas inundam-me a boca, atropelam minha fala, fazem-me gaguejar e soluçar...
Tão impregnada estou desse mover de mundos idealmente linguísticos que chego a vomitar letras em meio à folhas em branco, em meio às linhas invisíveis que se escondem por detrás dos mecanismos avançados de mais um intenso blog criado por mim.
Diante de tais extremas vontades, levanto a voz e grito tudo o que sou...
E o que sou? Sou as letras da plebéia, os poemas da princesa, o exagero, a prosopopéia, sou a feiúra e a beleza.

E enquanto todos cantam, dançam e atuam, minha mente baila numa festa, ora livre ora de máscaras, inspirando num segundo a vida, e expirando sentimentos vivos e reais.


terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Comunicado aos leitores .

Gostaria em primeiro lugar, de agradecer às mais de 100 pessoas que me seguem nos blogs, mas tomei a decisão de parar de escrever. É isso.
Me anulo a partir de hoje, aqui.

Fiquem com Deus...

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Prisão domiciliar .


Ergui meus olhos à janela
num silencio árduo e inquietante
Formei ali minha própria tela
como imagem eterna, agonizante

Vi decair uma estrela cadente
e a enxerguei como grande farsa
Nem pedidos frios nem desejos quentes
em verdade ela transformava

Razão, tentação e desequilibrio
moldaram aqui tortuosa escultura
Palavras, pedras e ínfimo delírio
fizeram-me cavar minha sepultura...

Posso dizer então que o fôlego cansado que infiltrou-se em minha respiração,
não faz juz à força da chuva que há pouco tempo molhava o chão da rua.
Virarei a noite observando quem atravessa o outro lado da janela,
ouvindo as vozes que embalam em conversa,
sem nenhum escrúpulo, sem nenhuma pressa...

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Véu .

Na madrugada procuro a lua
como quem procura um sinal
Deliro tensa, atravessando a rua
esquivando-me d'um acidente fatal

Fecho meus olhos e então os abro
Inspirando sublime esperança
Tento esmagar meu pecado
Envolvendo minh'alma em dança

Procuro entre as estrelas no céu
encontrar o trono de Deus
Deitada em terra, rasgo o véu
livrando-me dos males seus

Não continuarei no chão
Levantarei o mais depressa possível
Sou mais forte que a desilusão
E minha força vem do invisível


E eu sei, que posso sim, sarar esta dor que me impede a fala.