Uma cadeira de balanço
Em frente ao espelho
Mãos já sem encanto
Penteiam os cabelos
Olhos miúdos apertados
Pele fraca, enrugada
Testamento anunciado
Sentinela marcada
Meninice morta há décadas
(em um caixão enclausurada)
O tempo me fez boneca
Amanhã serei das larvas,
recém-nascidas, na terra,
Ontem: uma imagem
idolatrada, venerável
Hoje: mero desgaste
frágil, vulnerável
Estonteada, paralítica
Arrasto as muletas
Tentativa interrompida
Permaneço na cadeira
Bato o pente no espelho
Deixo-o fragmentado
Um dos pedaços aproveito
Rasgo meu peito rasgado
O sangue forma uma poça
Os olhos, outra...
Morta, não sinto meu corpo
Mas a alma pesa mil quilos
Dos ventos não noto o sopro
Não mais falo, não respiro
Fechei as roxas cortinas
Desse terrível espetáculo
Nunca fui uma heroína
ou um ser respeitável
A dor continua ainda,
segue um hino macabro
segue um hino macabro
A vida? um dia finda.
A angústia? Inacabável.