domingo, 27 de novembro de 2011

Diálogo Bobo - Mário Quintana

- Abandonou-te?
- Pior ainda: esqueceu-me...

Preciosidade .


O cristal tornou a ametista descartável, enquanto ela esculpia sua transparência. Tornou-a tão descartável quanto a virgindade de uma bela moça na prostituição e tão enganável quanto uma boba criança com doces na mão.
Por ter sido dispensada, a ametista passou horas com fortes dores no peito, tentando esquecer os motivos de alimentar o desejo que faz as pedras mais lindas quererem brilhar. Hoje, a ametista não quis ser polida e permaneceu num canto, escondida de qualquer calor solar.
O cristal permaneceu brilhante, precioso e querido, rodeado de outras pedras que o têm como amigo e distante das agonias de um coração inibido. Talvez a pedra-amante do Cristal não tenha uma mente tão perturbada quanto a mente da ametista... que passa muito mais tempo analisando a morte do que alimentando a vida.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Fantasia - Álvares de Azevedo

À noite sonhei contigo...
E o sonho cruel maldigo
Que me deu tanta ventura.
Uma estrelinha que vaga
Em céu de inverno e se apaga
Faz a noite mais escura!

Eu sonhava que sentia
Tua voz que estremecia
Nos meus beijos se afogar!
Que teu rosto descorava
E teu seio palpitava
E eu te via a desmaiar!

Que eu te beijava tremendo,
Que teu rosto enfebrecendo
Desmaiava a palidez!
Tanto amor tua alma enchia
E tanto fogo morria
Dos olhos na languidez!

E depois... dos meus abraços,
Tu caíste, abrindo os braços,
Gélida, dos lábios meus...
Tu parecias dormir,
Mas debalde eu quis ouvir
O alento dos seios teus...

E uma voz, uma harmonia
No teu lábio que dormia
Desconhecida acordou,
Falava em tanta ventura,
Tantas notas de ternura
No meu peito derramou!

O soído harmonioso
Falava em noites de gozo
Como nunca eu as senti.
Tinha músicas suaves,
Como no canto das aves,
De manhã eu nunca ouvi!

Parecia que no peito
Nesse quebranto desfeito
Se esvaía o coração...
Que meu olhar se apagava,
Que minhas veias paravam
E eu morria de paixão...

E depois... num santuário
Junto do altar solitário
Perto de ti me senti,
Dormias junto de mim...
E um anjo nos disse assim:
"Pobres amantes, dormi!"

Tu eras inda mais bela...
O teu leito de donzela
Era coberto de flores...
Tua fronte empalecida,
Frouxa a pálpebra descida,
Meu Deus! que frio palor!...

Dei-te um beijo... despertaste,
Teus cabelos afastaste,
Fitando os olhos em mim...
Que doce olhar de ternura!
Eu só queria a ventura
De um olhar suave assim!

Eu dei-te um beijo, sorrindo
Tremeste os lábios abrindo,
Repousaste ao peito meu...
E senti nuvens cheirosas,
Ouvi liras suspirarem,
Rompeu-se a névoa... era o céu!

Caía chuva de flores
E luminosos vapores
Davam azulada luz...
E eu acordei... que delírio!
Eu sonho findo o martírio
E acordo pregado à cruz!

Niilismo .

A crença no nada é perturbadora
A sina que cala de arrebatadora
Do revolver a bala que apenas mata
O laço no espaço que a fé não desata
O fogo que queima e nunca se apaga...

Íntimo .


Infelizmente não há coragem
para pedir abraços singelos
Trago sempre a bagagem
de meus infantis complexos
Infelizmente não sou adepta
do amor e do otimismo
Cessaram-se todas as festas
nos bailes do meu espírito...