Saydion compartilhou de um intenso amor com Eleonor durante poucos meses.
O romance, sempre repleto de limitações, não deixou de ser, em nenhum momento, encantador e ingênuo.
Surgiu, porém, um mal arrebatador que contaminou o frágil corpo da jovem Eleonor, levando-a a passar dias e noites, enferma, em seu leito já quente, pela sua constante presença.
Saydion, sem mais suportar as saudades que lhe rasgaram o peito durante horas que mais pareciam-lhe a eternidade, adentrou ao quarto da jovem donzela, sorrateiramente, pela janela, para que a parentela da moça não fizesse questão de intrometer-se em sua conversa com a moça amada, e, estando próximo à princesa que dominava seus mais belos sonhos, disse, em baixa voz:
- Deusa minha, a ti recorro como se não houvesse mais ninguém neste mundo, pois diante da tua formosura e do teu cândido olhar, todo o universo paraliza-se diante de minha face, e só consigo observar a ti, aos teus cabelos negros que bailam em sintonia com o som das folhas balançadas pelo vento...
Eleonor, com os olhos semiabertos e voz esganiçada, respondeu:
- Eis que já vejo a morte rodear minha cama, e temo que este, seja o último momento em que estaremos juntos. Meus olhos já se fecham, meu coração parece estar emitindo seus derradeiros batimentos. Sinto medo. Meu último desejo é ter em meus quentes lábios, a vivacidade dos teus... Beije-me Saydion. Não diga mais nem uma só palavra. Apenas beije-me...
Então, Saydion aproximou-se de Eleonor, rapidamente, para não perder mais nenhum segundo ao lado dela, da forma mais arrebatadora possível. Encostou seu rosto no da amada, e a beijou carinhosa e veementemente, como jamais havia feito em instante algum da sua vida. Após a concretização do último desejo de Eleonor, o rapaz afastou seus lábios trêmulos dos da moça e assustou-se ao ver os olhos dela, espantosamente abertos, petrificados, a fitá-lo. Num constante pavor, tocou as mãos da donzela e as teve como gélidas, paralizadas, inválidas.
Eleonor estava morta.
Desesperado, Saydion foge pela janela de onde entrou, e retorna à sua casa.
Chegando em seu quarto, não dorme, apenas permanece deitado, imóvel, tendo em mente o opaco visto nos olhos da sua princesa, da dona dos seus mais verdadeiros sorrisos.
No dia seguinte, acompanhou o enterro da que seria sua futura esposa. Enquanto todos gritavam, choravam e lamentavam da maneira mais estrondosa possível, ele nada dizia. O pobre moço seguia triste, porém, frio, sem derramar uma lágrima sequer, suportando toda a dor, calado. No término da fúnebre cerimônia, todos foram embora, e o rapaz também foi.
Em seus aposentos, Saydion, não conseguindo tirar do pensamento, a beleza e a graciosidade de Eleonor, teve então, a idéia de ir até onde se encontrava o túmulo dela, com a finalidade de tentar sentir o seu perfume, mesmo que escasso, no ar, mais uma vez. Assim, seguiu caminho ao tal lugar, sendo de repente abordado por uma furiosa tempestade, estando próximo aos portões do cemitério, todavia, isso não o impediu de alcançar seu objetivo.
Ao chegar no túmulo da amada, o jovem sentiu-se finalmente em paz, mas também sentiu uma insana e incontrolável vontade de beijar os gelados lábios de Eleonor, novamente.
Ouvindo seus instintos, foi à procura de algumas ferramentas, e, conseguindo-as, retornou ao leito frio, daquela que possuía sua mente, sem hesitar.
Com muito sacrifício, Saydion desterrou o caixão, onde adormecia Eleonor e o abriu. Vendo aquele rosto pálido, sentiu algo queimando seu corpo e seu coração. Não pensou duas vezes; tomou a morta sob seus ombros e a levou para sua casa.
Já em casa, despiu a falecida virgem, que tinha a água da chuva , grudada em sua pele, levou-a ao banheiro e deu-lhe um banho. Após isso, ele também se banhou.
Depois de banhar-se, Saydion repousou o corpo da amada sob sua cama, e somente ali, pôde observar claramente, pela primeira vez, a nudez da mulher, a quem havia entregado seu coração. Os cabelos negros dela, enormes, cobriam os pequenos seios; e, sua cintura fina se contrastava com as coxas roliças...
Saydion estava perplexo diante de tamanha beleza. Aproximou-se de Eleonor, e beijou sua boca, vagarosamente.
Então, da maneira mais brusca e súbita possivel, olhou para os lados e percebeu o quão pavoroso era o que está fazendo. Fixando seu olhar no olhar da mulher a quem beijara, disse:
- Há muito tempo eu já havia entregue a ti o meu coração, e hoje entregarei a minha alma, como a maior prova de amor que posso dar-te. Creio que nem a dor, nem a desilusão, e muito menos a morte, poderão arrancar a grandeza do que sinto por você. Eu te amo, minha Deusa...
Saydion cobriu o corpo da moça com um lençol branco; deitou-se na cama ao lado dela, pegou o punhal que se abrigava sob a escrivaninha e o cravou em seu peito.
[...]
Em pouco tempo, foi percebida a ausência de Eleonor, no sepulcro onde a deixaram. Aterrorizados, os homens da família da moça foram à casa de Saydion, para perguntar-lhe se ele sabia onde a moça poderia estar. Chegando ao referido local, foi preciso que quebrassem os ferrolhos do portão para adentrar à casa do rapaz, já que ninguém respondia às vozes que se elevavam diante do portão.
Dentro da casa, reinava um silêncio amedrontador.
Dentro do banheiro, pequenas gotas d'água caíam de um chuveiro semiaberto.
Dentro do quarto, haviam dois corpos em decomposição, e um punhal com vestígios de sangue.
Amor após a morte...